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Stolen

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    Tec... Tec...

   O som dos meus saltos batendo no assoalho ecoavam como um copo caindo no chão em uma queda lenta e barulhenta. Não poderia descrever se os próximos sons, que seguiam aos meus, eram os de Aimee, que vinha logo atrás de mim com uma prancheta, ou se seriam dos funcionários que andavam desgovernados por todos os lados esbarrando em tudo e criando confusão ao derrubar coisas importantes como Aimee as intitulou — tudo que fizesse barulho era importante para ela.

   Se eu conseguisse definir o que via e ouvia diria que "bagunça" era a palavra perfeita. Pelo que via, desde que retornei, a mansão se tornou um caos e para onde se olhava só havia pessoas com pressa e carregando caixas e tecidos.

   Cortinas novas chegaram e as antigas foram retiradas e levadas para lavar, isso há mais de uma semana, e desde então as janelas estavam amostra clareando de dia e iluminando suavemente a noite.

   Os carpetes foram todos lavados e os lustres, que tinham diversos cristais fora do lugar e faltando, tiveram de serem restaurados e, ao chegarem, permaneceram na caixa bem no meio do hall ocupando o lugar com mais outras caixas que vinham e chegavam toda a hora — sabe-se lá de onde.

   Declan me fez jurar que não discutiria sobre os presentes que variavam de cortinas a talheres e taças, que apenas cuidaria de deixar tudo do meu gosto e jeito.

Se bem que administrar a organização de uma casa e ainda ter que escolher o que seria servido e como ficaria cada coisa no jantar de pré-casamento, coisa típica e comum na Romênia e no século XX, era aterrorizante.

   Quando Declan me encontrou na ponte, logo após a chuva começar a cair, ele declarou que teríamos apenas uma semana e três dias até o jantar. O mesmo que ocorreria pouco tempo antes do casamento que, eu também, teria que organizar com Aimee e Emogen e o mesmo que em pouco menos de dois dias estaria aí.

Mas a correria só começou assim que as coisas começaram a chegar e, quando acordei um dia, lá estava o hall, as escadas e o corredor lotado de objetos e móveis.

Meu noivo insistiu na compra de alguns móveis novos e Aimee quase implorou para que eu aceitasse alegando que a sala necessitava de um novo antiquário e sofá, porque aquele estava ali fazia décadas e a mãe sempre teve o sonho de troca-las, mas o avô não permitia, pois fora de sua mãe.

   Com a oportunidade em minhas mãos eu apenas concordei e, assim, acabei concordando com tudo questionando quando possível e ficando boa parte calada e apenas analisando e mudando sem que percebessem. Por mim a casa ficaria como estava, embora precisasse mesmo de umas reformas e um novo ar. "Já chega de viver no passado" disse Declan quando questionei se era isso mesmo que queria e em seguida continuou com:

    — Meus avós deixaram tudo como queriam quando se cansaram. Meus pais também e certamente meus bisavôs e seus pais. Agora chegou nossa vez de decorar a casa ao nosso gosto. Somos o casal que cuidará dela até que nossos filhos casem e seja a vez deles de refazer tudo... Uma atualização não fará mal, afinal.

   Persuasivo como sempre.

   Um pouco perdida tive que agarrar minha cunhada para que a vertigem que me afugentou não me derrubasse.

  Respirando profundamente pisquei várias vezes até que a visão embaçada voltasse ao normal e o ar sufocante se apazígua-se. A ansiedade me assombra nas últimas dias e a cada instante mais perto do grande dia ela se tornava ainda pior.

    — O jantar será esplêndido e todos que saírem daqui ficarão ansiosos para o dia do casamento. Se anime, Welsn, será o casamento do século. — indagou Emogen, saindo do salão que só me foi apresentado depois da confirmação do comparecimento dos convidados que se resumiam nas pessoas mais próximas dos Munteanu e que deveriam comparecer para que calasse as "boas bocas".

   Aprendi rapidamente que as fofocas e notícias corriam soltas por aqui e se alastravam como pragas na plantação.

   — Entre. — disse Declan, empurrando a porta dubla e revelando um extenso salão como se eu acabasse de entrar no palácio de Versalhes e, por louco que fosse, eu conseguia imaginar as pessoas conversando enquanto seguravam taças finas e elegantes e usavam trajes de gala sofisticados.

   — Oh, é tão bonito. — exclamei, analisando as paredes altas ornamentadas e os lustres de cristais que caíam do teto, como cascatas de água respingada.

  Duas mesas compridas e retangulares, que deveriam ser das guloseimas e bebidas, ficavam uma de cada lado das paredes laterais. Ao centro o piso parecia um pouco desgastado por conta das inúmeras pessoas que passaram por ali e deixaram suas marcas no chão e seus cheiros abarrotados nas paredes, como se todo aquele salão contasse uma história que se dividia e se mesclava em várias ao mesmo tempo.

    — Percebe-se que minha noiva ficou encantado com o lugar que escolhi para o jantar de pré-casamento. — sussurrou Declan em meu ouvido, como um sopro que me fez arrepiar.

    — Dava muitas festas, não é?

    — Diversas.

    — Imagino que pessoas de todos os lugares já passaram por aqui.

    — Certamente. E não foi só quando meus pais estavam vivos, antes até.

   — Aimee me contou que costumava dar bailes em homenagem a sua noiva. — Ele sorriu de canto segurando minha mão direita e girando-me que nem em uma valsa. — Teremos que falar disso uma hora.

    — E porque agora?

    — Não me enrole sr. Munteanu!

   Riu sabendo muito bem que apenas o chamava de senhor quando falava sério.

    — O que quer saber? —  Roubou-me um beijo na intensão de me distrair.

    — Ela era bonita?

    — Com rebocos e maquiagens qualquer pessoa fica bonita, meu anjo.

    — Então era feia?

    — Eu não disse isso.

  Me afastei girando ao redor dele como uma loba amedrontando sua presa.

    — Ela vinha aqui com facilidade?

    — Infelizmente, tanta quanto você lê livros.

    — Okay. Eu não quero mais que nosso jantar seja aqui. — decidi e ele ficou ereto.

    — Porque?

   — Consegue entender que celebraremos nosso noivado e que em poucos dias, muito menos que duas semanas, nos casaremos. Eu não quero que celebremos onde sua ex-noiva celebrou o dela com você. — justifiquei.

  — Compreendo meu amor, mas aqui ficará melhor para a recepção dos convidados, logo que a cerimônia será do lado de fora da mansão.

   — Não quero saber. — Cruzei os braços e ele me abraçou mordendo minha orelha.

   — Reforme.

   — O quê? — Arregalei os olhos surpresa com a proposta.

  — Reforme tudo ao seu gosto. Tudo o que achar que deve ser mudado, mude e deixar este lugar do seu jeito para que quando todos entrarem aqui, tanto no jantar quanto nos bailes futuros, percebam a sua presença no salão desde o teto até o chão. Sintam a presença da minha amada esposa... Será em breve a senhora de tudo o que tenho e principalmente de mim, e por isso quero que torne essa casa o seu lar, o lugar onde passaremos o resto de nossas vidas e onde se sentirá à vontade e em casa. — alegou fazendo com que centelhas explodissem em meu peito.

   — Você é o melhor homem que já conheci e será o melhor marido.

   — E pai, espero.

   — Isto também. — gargalhei.

  Pouco falávamos sobre filhos, pois pensar neles seria pensar no futuro e, por hora, queríamos apenas pensar e viver o presente que se resumia, no momento, em nosso casamento.

    — Tá bem. Eu deixarei tudo do meu jeito.

    — Como quiser, minha noiva.

    — Te iubesc. — murmurei contra seus lábios que atacaram os meus der repente.

   — Oh, eu amo tanto você minha viajante.

  Aimee balançava as mãos na minha frente sugando-me de volta a bagunça atual que tudo estava. O salão foi reformado rapidamente e agora só faltavam os pequenos detalhes serem colocados e ele estaria pronto para a preparação do jantar que entupia a cozinheira com receitas diferentes escolhidas por mim.

  Eu optei por cores claras já que as anteriores eram cores quentes. Tons de azul e bege com dourado e branco inundava o salão deixando leve e sem qualquer resquício do passado.

  O piso desgastado foi restaurando e comprei mesas e utensílios novos, pois tudo o que lembrava a ex deveria ser apagado, assim como eu fiz quando cancelei o meu noivado.

  Declan inspecionou tudo satisfeito e me recompensou com beijos muito bons aliás.

  Ele queria ficar longe de mim, afirmando que escolheu assim para que, quando nos casássemos, pudéssemos iniciar a nova fase de nossas vidas transmitindo o nosso amor sem qualquer interrupção ou reprovação e sem medos, principalmente.

  Eu achei bárbaro, mas recordei que seus pensamentos ainda eram do século XX e que havia uma diferença de um século entre nossa educação e costumes o que o fez forçar Aimee a me ensinar tudo que fosse relacionado ao comportamento da noiva no jantar e no casamento. O que eu deveria falar e até como me portar.

  Foi meio absurdo no início, mas depois eu comecei a aceitar, não por mim, e sim por Declan. Se eu viveria no século XX e ainda como esposa de um homem daqui, teria que fazer pelo menos estes sacrifícios já que ele fez um ao aceitar uma mulher do século XXI como esposa e ainda quebrar todas as regras acreditando em mim. 

  Afinal, o que não fazíamos por amor, né?

   — Anda distraída demasiado, Kirsty. Apesar de que todas as noivas ficavam assim nas vésperas do casamento. — comentou Aimee a que mais estava desfrutando de tudo.

   — As noivas ficam com sorrisos bobos antes do casamento e depois com os olhos brilhosos e cheio de segredos. — murmurou Emogen para que somente nos duas ouvíssemos.

   — Intrometidas! — brinquei.

   — Mas, voltando ao assunto. Vai querer rose ou blanc para as toalhas de mesa do jantar?

   — Blanc com azul.

   — Como noiva e futura recém-casada, se espera que os tons sejam suaves, Welsn. — advertiu Emogen, apontando para o tecido bege.— Blanc e Bege.

   — Pode ser.

  — Não é assim que uma noiva fala! “Oh, eu adorei Emogen”. — corrigiu, como andava fazendo ultimamente desde que Declan deu carteira branca para tal.

   — E se eu não gostar?

   — Educadamente ofereça outra sugestão sem parecer rude e sim grata pela sugestão anterior.

   — Certo... Eu fico com o blanc e bege mesmo.

   — Muito bem.

  A mesa escolhida era de mogno comprida. Sobre ela ficariam velas finas com flores no centro, a louça branca com talheres dourados separadas com perfeição e maestria em seus devidos lugares acompanhadas pela taça de água e pela de vinho.

  A escolha foi minha já que a quantidade de convidados para o jantar era pequena e reservada, contando com o General e até o doutor Skillet cada um acompanhado por sua esposa. Declan fazia questão de me apresentar aos seus sócios e fornecedores estes que vinham, diretamente dos países vizinhos, para o jantar e para o casamento.

  Por canta disso quis impressioná-los escolhendo aquilo que me parecesse bonito e certo com a dupla; Emogen e Aimee — presentes para me corrigir.

  No começo pensei que acabaria não escolhendo nada e elas fazendo e tomando todas as decisões, mas assim que entrei no meu quarto, no primeiro dia em que as coisas começaram a chegar, Declan apareceu e me fez contar o que me entristecia fazendo a dupla dinâmica apenas me ouvir e corrigir quando necessário.

  Era o meu casamento e, não negava que foi difícil tomar as decisões sem ter um apoio maternal ou, então, o apoio que eu proporcionei a Candesy no dela.

  Nenhuma das duas estariam ali para me ajudar a escolher o vestido de noivado, que ainda precisava de seus últimos ajustes, ou qual a música que tocaria enquanto papai me guiaria até o altar (não o de uma igreja pelo menos).

Mas não haveria um altar como no de Candy e nem papai ou ela entraria comigo.

  O escolhido da vez foi Owen que seria um dos padrinhos. Como o amigo de confiança de Declan ele jamais negaria o pedido do mesmo para que levasse a mulher que amava até ele.

  Aimee ficou emocionada e fingiu que não derramou umas lágrimas, mas eu as capitei e vi muito bem escorrendo pelas suas bochechas magras e coradas.

   — Preciso apenas que me mostre onde ficarão as flores maiores. — Aimee me puxou para dentro do salão que cheirava a novo.

 

***

  A casa rapidamente foi limpa e as janelas lustradas. As cortinas novas colocadas e os plásticos e papelões jogados fora. Quando me dei conta Aimee me empurrava para dentro do meu quarto e, enquanto eu tomava banho, ela arrumava o vestido que eu usaria, os sapatos e as joias. Mal terminando de me secar ela invadiu o banheiro e começou a me vestir. O vestido era bege como os sapatos, e um pouco justo, embora fosse longo.

  Em minutos descíamos para a salão onde ela me largou na porta de entrada e disse apenas:

    — Parabéns e vai dar tudo certo.

  Um ligeiro abraço e saiu correndo para se arrumar. Como anfitriã eu teria que estar lá dentro para receber todos os convidados. Se minha mãe estivesse aqui diria "vamos entrar e mandar ver!". Isso certamente me motivaria, mas agora minhas pernas tremiam tanto que eu mal conseguia ficar de pé. Candesy teria me empurrado, já papai me acompanhando com elegância e orgulho.

   — Raios — praguejei.

  Porque eu simplesmente não abria a porta e entrava? Era o meu jantar e o meu noivado. Eu...

 A porta se abriu e Declan trombou comigo não escondendo seu largo sorriso. Pelo visto, ele se sentia à vontade, diferente de mim, que poderia vomitar de tanta ansiedade e medo. Meu coração batia tão forte que se explodisse causaria um grande desastre pior até do que uma bomba atômica.

   — Gândește-te la ce? [1]— perguntou, acariciando meu queixo com o polegar, enquanto mantinha a porta entre aberta com metade do corpo.

   — Em como eu me enganei. — respondi.

  Em pouco tempo havia aprendido frases comuns usadas por Declan o que me ajudou a dialogar com os funcionários uma vez ou outra e, principalmente, a conhecê-lo melhor e me sentir mais próxima.

   — Como o quê?

   — Com o casamento... Candesy tinha todo o direito de enlouquecer com o casamento e os preparativos. Tudo isso é assustador.

   — Vem aqui. — Acenou para que eu me aproxima-se. — Eu estou aqui com você. Hoje e sempre. Você nunca estará sozinha enquanto eu viver.

   — Promete? — Seu abraço era quente e acolhedor, me transmitiu uma confiança com proteção tão forte, que não queria mais o largar.

   — Eu prometo. Agora temos que entrar.

 Travei.

   — Está linda. Fico até com receio de apresenta-la àqueles lobos famintos. — brincou, alisando meu cabelo ondulado pelos bobs de Aimee.

  Em seguida depositou um beijo em minha testa e sussurrou:

    — Eu amo você.

  Então entramos lado a lado porquê de mãos dadas era permitido somente depois do casamento — coisa boba, né?

 Até me lembrava a Coreia do Sul. Todo mundo tímido e ofendido com um simples beijo ou duas mãos unidas. Tirando a parte de não poder tocar em Declan no meu próprio jantar, eu abri um largo sorriso, logo que eu deveria expressar felicidade como ordenou Emogen.

 Queriam ver uma noiva feliz e não um ser resmungão e boca dura como... bem como eu. Já bastava eles terem que me aguentar.

Prosseguimos com ele agora empurrando-me com a mão em minha costa em um gesto cavalheiresco.

 Os olhares caíram em nós. Segurei o ar sentindo seus dedos brincarem com minha coluna. Ele tentava me acalmar.  Estranho como nos conhecíamos tão bem, como se tivéssemos crescido juntos, pensei feliz com isso. Declan era perfeito. A peça que se encaixava com a minha no quebra cabeça. A goiaba do meu queijo. Dei um risinho. Que coisa mais tosca de se pensar.

   — Senhores e senhoras, eu os apresento a futura sra. Munteanu. Minha noiva, Kirsty Welsn. — apresentou Declan, fazendo os homens ficarem de pé e virem o cumprimentar e as mulheres esperarem que eu fosse até elas.

 Por que razão mesmo haviam os jantares de pré-casamento? Ah, claro para parabenizar os noivos e não eles parabenizarem as pessoas! Segurando a carranca comecei a jornada de cumprimentar uma por uma. Ao todo eram 12 mulheres sem contar Emogen e Aimee que eram da família — no caso, da minha família.

 A mesa foi colocada no meio do salão com o intuito de que em algum momento todos ficassem de pé com suas bebidas e conversassem, falando sobre como foi seu casamento e assuntos quaisquer, depois.

 Convencida de que as mulheres estavam loucas para me abarrotar de perguntas e me murcha como uma uva passa, eu tomei um gole de água ao me sentar apertando a mão de Aimee.

   — Não ligue para as bruxas velhas, só estão com inveja da sua juventude e que casará por amor, diferente delas que casaram na época em que os pais ainda exerciam a decisão de escolher o futuro cônjuge. — ela murmurou, dando um sorrisinho.

   — Imagino que o sir Declan a tenha conhecido em uma de suas muitas viagens. — comentou a mulher do doutor Skillet, em inglês, que me foi apresentada antes mesmo de eu entrar no salão — por Aimee.

 Esta era loira e mais velha que o doutor. Para minha sorte fui informada que adorava framboesa e, para satisfazê-la e causar uma boa impressão, encomendei algumas que foram usadas para fazer uma torta. Conhecia cada uma delas, ao menos pelo que foi dito.

 A esposa do general, muito simpática e rechonchuda; mãe de cinco filhos homens, esta amante de rum. A esposa do primeiro sócio que era o principal e menos afortunado de beleza e atenção por ali, ela era a mais chata e a que amaria me dizer coisas ruins. As outras esposas eram amigas e todas gostavam de uma única conversa: batom e viagem.

 Observei distraída que, dentre os homens, Declan era o mais belo, como a maçã brilhante e perfeita lá no alto próxima das imperfeitas e com larvas. Eu sorri de canto quando ele virou o rosto para trás e nossos olhares se encontraram.

 Inclinei a cabeça gesticulando com os lábios um: eu te amo, que o fez abrir um sorriso contido e piscar distraidamente.  Se percebia que ambos estávamos distantes viajando para um único lugar: um ao outro.

   — Engana-se, se pensa assim, Matilde. — advertiu Aimee. — Kirsty é uma velha conhecida minha. — Mentiu descaradamente como havia prometido que faria a pedido de Emogen que nos fez ensaiar tudo e, quando perguntei se não era errado, ela respondeu:

  — Em nossa sociedade dizer uma meia mentira não é feio nem antiético e, tão pouco, errado. Errado mesmo é roubar e não poder carregar.

 Esperando pela minha vez de falar ouvir atentamente Emogen afirmar:

   — Senhorita Welsn conhece sir Declan desde criança e, por isso, razão se conhecem como a palma da mão.

 Eu quase gargalhei.

 Emogen, a certinha e dona da razão, acabava de mentir descaradamente tentando justificar a aproximação que nos dois tínhamos, como se nos conhecêssemos mesmo há anos, ou até, já fossemos casados.

 Certa manhã ao me largar na poltrona do escritório com uma revista de vestidos de noiva que ficou toda repicada horas depois, Declan apareceu sem notar que Emogen vasculhava a biblioteca atrás do livro de ética e moral que a falecida patroa costumava ler para Aimee. Ele sentou no braço da poltrona, jogou o braço na parte de cima ajeitando minha cabeça em seu joelho. A imagem fez Emogen engasgar e quase ter um treco, enquanto a espertinha da Aimee fotografava o momento escondida embaixo da mesa.

   — Até parecem casados! — exclamou indignada. — Como pode? Mal se conhecem.

 Nos entreolhamos e gargalhamos juntos.

   — Compartilham de segredos, conhecem os gostos um do outro, se entendem apenas por uma troca de olhar. Que curioso!

 Diziam que quando encontrávamos a pessoa certa as coisas eram assim mesmo, pensei dando um meio sorriso.

   — Que interessante. Mas é estranho que eu não tenha a visto nos antigos bailes.

 Bingo!

 Ela havia caído e agora era minha vez de entrar na cena.

  — Geralmente, na época em que meu noivo concedia os bailes, eu estava viajando com minha família. — falei, convicta e séria.

 Em parte, era uma meia verdade já que eu costumava viajar bastante.

  — Oh, sim, entendo. E seus pais não puderam comparecer ao jantar?

  — Infelizmente meus pais faleceram quando eu ainda era criança.

 Entendia agora em que lugar Emogen queria chegar ao escutar a resposta ao meu comentário.

  — Está explicado a razão pela qual se entendem tanto. Compartilham de sofrimentos iguais. Pobre mulher deve ser terrível não ter os pais. — As outras concordaram comovidas e a dupla sorriu satisfeita. — Não tem mais ninguém?

   — Não.

 Me foi dito para que não citasse Candesy e nem tia Margareth para não aumentar a conversa, gerar dúvidas e curiosidades que multiplicariam para resposta sem coerência e concordância.

   — Que pena. Sinto muito. Entendo por que são tão próximos.

   — É.

   — E quando foi que sir Declan resolveu se declarar?

   — Há anos atrás.

   — Oh. E porque motivo só agora anunciam o noivado?

   — Foi horas antes de partir para o campo de batalha.

  — Ah, bom Deus que coisa mais romântica. Quem dera aquele velho rabugento fizesse coisas assim para mim. Imagino que a declaração deva ter sido muito linda. — exclamou, com inveja.

   — Ãh, foi. Declan tem um senso de romance muito elevado e é um verdadeiro cavalheiro.

   — Quando se deram conta que se amavam? — perguntou a esposa do sócio principal.

  — Desde o primeiro dia em que nossos olhos se encontraram, quando nos reencontramos depois de muitos anos vivendo em Roma. — Novamente uma meia verdade.

   — Que lindo. Oh, preciso de um leque. Isto é lindo. Não tenho palavras para descrever sir Declan nesse momento. Que homem!

  — Um homem apaixonado é tudo de que uma mulher precisa. — comentou uma das outras esposas que, coincidentemente, tinham a mesma inicial nominal; J.

    — Discordo. — adverti.

   — Há diferenças entre paixão e amor, minha cara.

  — Veja está até falando como ele. — observou Matilda, dando ênfase a última coisa que pronunciei. 

  — A paixão se esgota rápido, já o amor é eterno. A própria Bíblia diz que o amor jamais acabará.

 — Uma mulher religiosa. Que preciosidade. Sir Declan seria um tolo se deixasse tal preciosidade escapar. — Matilda intrometeu, sorrindo docemente para mim. — O que o amor não faz, não é? Seus olhos são tão lindos que ele teve que lhe dar um anel tão belo quanto os próprios.

   — Reparou nisso?

   — Claro, assim que entrou. Como se chama a joia?

   — Traveler.

  — Oh, Viajante. Entendi a referência. Uma mulher que ficou anos fora, viajava boa parte do ano e voltou para ele no momento certo. Que lindo. Um romance e tanto.

   — Jane Austen teria amado. — comentei e ela concordou com a cabeça.

   — Certamente sim. Contarei às minhas netas sobre esse conto de fadas, quando eu tiver.

   — Ficarei lisonjeada.

 Visto do ponto de vista real até que não existia tanta diferença entre a realidade e a meia mentira. Eu passei anos no futuro, viajei no tempo encontrando Declan, depois voltei para o futuro e no fim retornei para ele no momento exato. Nossas futuras filhas e netas amariam a nossa história e isso me faria lembrar de como o amava a cada dia. Porque não fui parar no século em que Jane ainda era viva? Eu teria adorado que contasse nossa história.

   — Meu marido comentou que é canadense.

   — Sim, ele disse a verdade.

  — Atravessou os mares para estar aqui. — murmurou pensativa.

  — E quem disse que a distância separa dois amantes? — Emogen entrou no meio da conversa. — Mas, a senhorita Kisty mudou-se da América, logo após o falecimento dos pais.

   — Ah, imagino como se sentiu. Fez bem em abandonar o passado. Recomeçar é bom.

   — A senhora nem imagina.

 Quando o papo ia parar? Caramba eu queria sair correndo dali. Aquelas mulheres me devoravam com os olhos com tanta inveja e incredulidade que eu achei que seria picada em pedacinhos se a comida não chegasse.

   — O jantar será servido. — anunciou a cozinheira, em romeno, salvando-me.

   — Oh. — suspirei.

 Os homens retornaram a mesa. E, enquanto a comida era depositada na mesa, as conversas se resumiam em frases romenas que bem poucas palavras eu conhecia e acabei me sentindo um bicho de sete cabeças, além de uma estranha. Na tentativa de disfarçar fingia não estar prestando atenção ou ouvindo quando me chamavam e puxavam conversa.

 Não sabia ao certo se fiquei muito tempo sem pronunciar nada, mas Declan, que estava na cabeceira comigo ao seu lado direito (somente as esposas poderiam ficar do lado esquerdo ao do homem, um costume de família), me fitou com suas pérolas negras fazendo-me, instantaneamente, sorrir.

   — Algum problema? Está muito quieta. — perguntou, em inglês.

   — Quando acabará?

   — Falta pouco. Está indo bem, não se preocupe.

   — Você acha?

  — Não se cobre, meu anjo. É encantadora e o que estou ouvindo, desde que entrou, é que tenho muita sorte e como é encantadora, gentil, atenciosa e educada. Coisas que eu sei faz anos. — elogiou, deixando meu autoestima lá encima.

Sem notar, enquanto conversávamos, todos ficaram em silêncio com sorrisos estampados na cara ouvindo-nos e analisando-nos com carinho.

   — Eu disse que não demoraria muito para que ele se declarasse para a garota fujona. — disse o general. — Pelo casal que eu torci que se descem conta logo de que se amam, um brinde.

Os tintins ecoaram e eu me segurei para não beijar Declan. O que sempre acontecia quando eu ficava emocionada.

   — Formam um belo casal. — elogiou Matilde. — Não espero a hora de os ver casados. Serão o casal mais lindo e amoroso de Brașov, senão da Romênia.

   — Agradecido.

 Se tinha algo que meu noivo sabia fazer bem era chamar atenção e deixar as mulheradas de queixo caído. Mas acabava de descobrir que o que o orgulhava era ouvir a palavra "casal". Uma única palavra que o deixava corado e com os olhos brilhantes. Eu o amava.

 Amava tudo nele.

   — Jamais me cansarei do seu sorriso. — ele disse, somente para mim, ao me pegar olhando-o de novo quase babando.

   — E eu jamais cansarei de seus olhos e, ainda menos, dos seus lábios.

 Os outros não nos ouvia porque conversavam entre si, mas eu sabia, sem precisar olhar, que Matilde nos observava com um largo sorriso de aprovação.

  — Não espero a hora de ser minha esposa.

  — Por que?

  — Para que possa exibi-la para o mundo... Exibir a minha sra. Munteanu.

 O modo em que falava derretia minha alma e afugentava meu coração. Eu é quem não esperava a hora de ser a sua sra. Munteanu.

Se existia uma coisa que eu queria muito no mundo naquele momento era ser a sua esposa e poder chama-lo de meu marido...

 Meu sr. Munteanu.

 

[1] Pensando em que?

© 2020 D. B. WAYNE

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